domingo, 4 de abril de 2010

Parando pra pensar...

Posso ver os dias passarem rápida-e-lentamente. A minha vida é um flash-back, quase toda ela já vivida até extra-sensorialmente sentida. Estou velho, 78 anos se quer saber. Se minha voz era leve e serelepe, e cantava pelos ouvidos das raparigas, hoje é aguda, gorda e não dá nem pra rock.

As mulheres não tem a mínima atração por mim, não tenho uma ereção há 21 anos 4 meses e 6 dias, isso sem falar na comida péssima que servem aqui nesse asilo, que sabe lá deus onde fica.

Não saio da cama já faz alguns dias. Mensagens são refletidas na minha cabeça: vejo Teresa, minha ex-mulher e eu ainda novo fazendo amor na praia da Ajuda, próximo ao caos e em meio ao aconchego. Tão jovem, a vida uivando através dos meus beijos, os deuses do amor pairavam dois pés acima de nós e era sensível uma temperatura branda de brisa.

- Ah, Teresa será que ainda se lembra de mim?

- Onde você estiver... “não” te amo mais... queria fazer sexo com você...ou ao menos falar sobre o assunto.

Acho que sou um safado. Bom, um velho safado. As doses de conhaque viraram coquetéis de remédio, as putas viraram enfermeiras velhas sem sal que tocam o seu ânus e as espeluncas, bem as espeluncas definitivamente não tem o mesmo charme.

Estou numa espelunca agora mesmo.

Levantei e sai pelo jardim, fui ao limite do meu andador. Ascendi um dos meus últimos charutos Dona Flor, parei de frente a uma figueira imponente e velha. Lembrei que tenho filha, Ana.

- Ah Ana lembras de mim? Será que sabe que existo, como alguém normal?

Por um momento me desconheci, sai da inércia por alguns minutos ou horas, não sei. Envelhecer para mim teria que ser algo tão natural, e naquele momento simplesmente foi.

Uma ventania começou. Meu andador voou para longe, pude ouvi-lo despedaçar-se. O meu pouco cabelo que restava batia rebelde com vento, a figueira tremia como vara verde mas ainda era ela mesma, cheia de imponência.

A velocidade só aumentava, a da vida e a do vento, o velho só queria saber de olhar o horizonte e sua paralisia não era a falta do andador, era a proximidade da maior liberdade que já existiu...

Antes de morrer ele teve uma ereção.

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